Artigo
"Escritores podem alterar a História?
por Carlos Vinícius C. de Mendonça em A Gazeta (ES), 3/4/2005.
A verdade dissimulada
João Guimarães Rosa, autor de "Grandes sertões: veredas", certa vez, pressionado em entrevista para responder se os diálogos de seus personagens retratavam a verdade do pensar, sentir e agir do homem do interior mineiro, respondeu:“É tudo verdade, porque é tudo invenção”.
A resposta do escritor sugere que, por mais fiéis que sejam os relatos que, para serem transmitidos, sofrerão uma interpretação de acordo com nossos pontos de vista, dentro de nosso espaço e em sintonia com a visão de mundo de nosso tempo.
Assim, a história e a literatura têm algo em comum: ambas são constituídas de material discursivo, permeado pela organização subjetiva da realidade feita por cada falante, o que produz uma diversidade de discursos.
Esse processo cria no homem contemporâneo uma grande dúvida: será possível conhecer ou representar a história de maneira exata? Ou tudo não passa de uma questão de ponto de vista?
Atualmente muitos historiadores, teóricos e literatos sustentam a ideia de que não se trata de substituir a história pela ficção, mas de possibilitar uma aproximação poética em que todos os pontos de contato mais convergentes, estejam presentes, formando uma representação universalizante.
Durante a história sempre andaram de braços dados. Houve momentos em que os discursos se misturavam. Parte da história da civilização grega, por exemplo, se conta através dos versos de Homero na sua Ilíada.
A verdade pode ser dita através de mentiras? Todos sabemos que os romances mentem, mas é através dessa mentira que eles expressam uma curiosa verdade que só pode expressar-se assim, dissimulada, encoberta e disfarçada daquilo que não é.
Para Vargas Llosa "La guerra del fin del mundo", obra que faz um belo contraponto com "Os sertões", de Euclides da Cunha , a literatura conta a história que a história escrita pelos historiadores não sabe ou não pode contar. Os exageros e as mentiras da literatura servem para expressar verdades profundas e inquietantes que só dessa forma poderiam vir à luz."